terça-feira, 7 de maio de 2013

Como a sede de vingança só atrapalha no tratamento da violência urbana

Por Robson Fernando de Souza
para o Acerto de Contas

Dois fatos recentes – os clamores pela redução da maioridade penal no Brasil e um cartaz “antivivissecção” defendendo a realização de pesquisas científicas dolorosas em condenados por homicídio ou pedofilia – nos fazem perceber o quanto os debates sobre as soluções para a diminuição da criminalidade no Brasil vêm sendo contaminados pela passionalidade exacerbada, pelo ódio vingativo de parte da classe média contra os criminosos – especificamente contra os bandidos pobres, crescidos num ambiente de valores aéticos proporcionados pelo sistema sócio-político-econômico.
Esse ódio, que se converte em demandas linhaduristas como pena de morte, tortura de criminosos e enquadramento de adolescentes pelo Código Penal, vem tirando o foco da legítima discussão sobre como melhorar a segurança pública, educar efetivamente para a paz e assim diminuir os índices de violência urbana. E a tem mudado para um tópico distinto, baseado nas seguintes perguntas bizarras: como vingar da forma mais “merecida” as vítimas de crimes como assaltos, estupros, sequestros e homicídios? Como fazer “da melhor maneira” os criminosos sofrerem por terem causado sofrimento a inocentes? Como aplacar da forma mais brutal a sede da classe média por vingança e “punições exemplares”?
Leva-se ao extremo a dicotomia maniqueísta bem X mal, com os “cidadãos direitos” como incorruptivelmente bons e os bandidos (pobres) como irremediavelmente maus de nascença, como seres imundos cuja maldade só pode ser tratada com a eliminação violenta do indivíduo precedida de tortura. Cega-se as pessoas para a origem dessa criminalidade que castiga todas as classes socioeconômicas. Fica parecendo que não se quer mais solução e tratamento para a violência urbana, mas sim punição e vingança – e quanto mais cruel, “melhor”.
Ao mesmo tempo em que se prega, aos urros furiosos, a radicalização da lei penal, exalta-se corpos policiais como o BOPE e a ROTA, incitando-se operações militares que “limpem as ruas” dos criminosos mesmo que isso acabe vitimando inúmeros inocentes, em especial jovens negros pobres. Nisso, os clamores contra o crime acabam ironicamente tendo como frutos outros tipos de crime – abuso de autoridade, homicídio de inocentes “confundidos com bandidos” por policiais, grupos de extermínio, extorsão, lesão corporal, criminalização da pobreza, racismo, preconceito de classe etc. – e a emergência de novos bandidos que, ao contrário dos assaltantes, vestem fardas e agem em nome de um Estado reacionário legitimado pela classe média que votou em seus mandatários e legisladores e os apoia.
Outro problema é que os clamores vingativos e raivosos por punição violenta de bandidos negligenciam quase que por completo as origens, as causas da gênese dos assaltantes, estupradores, pedófilos, homicidas etc. Deixa-se de perceber problemas como a naturalização cultural da violência, o machismo, o racismo, o individualismo exacerbado, o material-consumismo, a conformação com uma realidade de desigualdades sociais, a exploração das classes mais pobres, o desespero de não ter condições de uma vida digna – o qual leva muitos ao uso de drogas pesadas –, entre tantos outros aspectos de uma sociedade alicerçada na opressão.
E muitos desses problemas atingem também as classes média, média-alta e alta, acostumada com valores como egoísmo, competição, consumismo, o desejo de ganhar dinheiro fácil e diversos preconceitos contra quem não se enquadra como branco, homem cis “macho”, hétero, classemediano (ou rico) e cristão, além de muitos casos de omissão familiar. Isso acaba fomentando muito do que se vê de corrupção política, desprezo às classes humildes, uso de drogas pesadas, bullying, assassinato por interesse etc.
Nesse contexto social, todas as classes formam criminosos, mas curiosamente o ódio vingativo aflora, na maioria das vezes, quando bandidos pobres vitimam pessoas ricas ou de classe média, pouco havendo da mesma comoção quando inocentes pobres são alvejados pela criminalidade, ainda mais por gente de estratos mais elevados. E muitas vezes o ódio contra pobres sai da toca, ao se generalizar as favelas como “fabricantes de bandidos” e se apoiar com frenesi ações ultraviolentas de tropas de elite em comunidades humildes mesmo quando elas punem inocentes.
Nesse ciclo de violência por parte de bandidos e policiais, todos perdem o direito maior ao usufruto dos Direitos Humanos, seja criminoso perigoso ou inocente, e a violência não só deixa de ter uma solução como se torna ainda pior, além de favorecer a ascensão de nomes políticos extremistas ligados à linha dura das polícias militares ou mesmo das forças armadas, ameaçando retirar as liberdades da sociedade com o pretexto de lhe prover “segurança” (sic nas aspas).
Por tudo isso, o ódio e a sede de vingança contra bandidos não devem dominar as discussões sobre como, por exemplo, proporcionar que não surjam mais bandidos adolescentes, os condenados sejam regenerados por medidas socioeducativas nas penitenciárias e a violência seja combatida em sua raiz ao invés da mera podação das folhas. Vale portanto rejeitar, e às vezes repudiar, qualquer medida fundamentada na comoção sedenta de vingança, como experiências científicas em criminosos hediondos e diminuição da maioridade penal.

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