domingo, 9 de abril de 2017

E se o Fernando Holiday bater na porta da sala de aula?

4 de abril de 2017
“O vereador do DEM/MBL, Fernando Holiday, está sendo acusado de assediar educadores(as) das escolas municipais, exigindo que mostrem a ele os conteúdos desenvolvidos em sala de aula, sob o pretexto de estar investigando “doutrinação ideológica” no currículo escolar, na linha do movimento que quer implantar a censura e a mordaça nas escolas e aos professores (as). Saibam que ele não tem essa prerrogativa e está cometendo abuso de autoridade, assédio, exorbitando de suas funções e usando indevidamente o cargo para intimidar os profissionais da educação. Hoje ele foi em duas escolas da zona sul: EMEF Laerte Ramos e EMEF Constelação do Índio.
Caso ele visite a sua escola e tenha esse execrável procedimento, entre em contato com o nosso mandato. Iremos acionar a Corregedoria da Câmara Municipal, o Ministério Público e exigir um posicionamento da SME” (grifos meus).
Em seguida, entrei na página do vereador Fernando Holiday e li:
“O PSOL está tendo chilique nas redes sociais porque visitei algumas escolas para fiscalizar a estrutura física e o conteúdo das aulas. Fui muito bem recebido pela direção e pelos professores das escolas que visitei hoje, apesar de encontrar alguns problemas nos prédios, não encontrei nenhum indício de doutrinação partidária nessas escolas. E quanto aos problemas de estrutura, comunicarei os respectivos responsáveis para encontrarmos juntos as soluções” (grifos meus).
Em face da declaração de Fernando Holiday em sua página oficial, trata-se de uma comprovação do caráter acintoso, fiscalizador e do avanço do Movimento Escola Sem Partido, da “patrulha MBL”, entre outros movimentos, no interior de partes sociedade paulistana. Convenciona-se denominar de “sociedade de vigilância” a demonstração fiscalizadora acintosa de autoridades públicas ou de políticos; outras designações são possíveis, tais como de “democracia vigiada”, de “censura” – fica a critério do interprete. Por meio de mecanismos contemporâneos, e antidemocráticos, vivemos uma crise de constitucionalidade no país e uma crise de observância da Constituição Federal. Defendo que o próximo governo eleito democraticamente não tem apenas de fazer reformas, mas precisa mobilizar legal e simbolicamente um Assembleia Constituinte para superar esta parte dramática da nossa história recente. Mas, importa-me mencionar fragmentos textuais da Constituição Federal que vige:
“Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
I – igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
II – liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber;
III – pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino”
Sem referir-me a outras leis existentes, examinemos primeiro isso: a educação, segundo o Art. 206, serve ao pleno desenvolvimento da pessoa, à formação de cidadãos e à qualificação para o trabalho. Sem a “cidadania” – a liberdade de pensamento e a autonomia daquele que vive e dialoga com a cidade – não existe plena qualificação do trabalhador, portanto. Desvincular cidadania do aprendizado de técnicas que habilitam o estudante para o trabalho é coibir o livre pensamento, bem como a liberdade de aprender.
Por isso, a amputação de disciplinas reflexivas do Ensino Médio atende a uma pauta de “reificação”, nas categorias de Georg Lukács, e da rápida expansão do neoliberalismo no Brasil. Alguns dos princípios com os quais se pretende formar cidadãos e trabalhadores são, como se leu no texto constitucional, além da isonomia, a “liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber”. É o que nós, educadores e educadoras, denominávamos como liberdade de cátedra que, mais recentemente, convencionamos chamar de liberdade de ensino e aprendizagem.
Se existe fiscalização de conteúdo não existe liberdade de ensino? Onde há vigilância há uma forte tendência de punição conforme nos ensinou Foucault sobre as sociedades posteriores ao século XVIII. A presença de Fernando Holiday, e de quem quer que seja, em sala de aula, para examinar o conteúdo dos professores é um atentado ao texto constitucional!
Com base no exposto acima, pergunto: qual é pensamento que deve, que precisa, ser divulgado: de direita ou de esquerda? Ora, quaisquer pensamentos que sejam os meus e que não sejam os meus. Não existe isenção, posto que a isenção é um gesto político. Como professor de História eu não posso me desviar das grandes correntes e fundamentações do mundo Ocidental. O mesmo serve para as outras disciplinas. Por exemplo, eu preciso explicar aos meus alunos o que é o “liberalismo econômico”, e, portanto, reporto-me a Adam Smith e John Stuart Mill – entre outros; não significa que eu seja afeito aos pressupostos econômicos liberais.
Contudo, o aluno pode ser – no auge da sua autonomia democrática – porque é independente e livre para se simpatizar com os pressupostos de Smith, Mill e outros liberais. Da mesma forma, não há como escapar de Karl Marx e Frederich Engels, entre outros, a menos que declaremos a expansão do Estado de Exceção que estamos vivendo – coisa factível, que institucionalizemos um outro regime que não seja o democrático.
Nas ditaduras do Cone Sul, queimavam-se livros e perseguiam pessoas que tinham consigo os livros que fundamentavam os posicionamentos de oposição. Porque o autoritarismo e os regimes antidemocráticos querem a eliminação da oposição; mas, ao contrário, os democratas não querem a eliminação ou o desaparecimento da oposição democrática porque ela é essencial à própria democracia.
Enquanto vivermos em uma sociedade democrática, de ensino democrático e de livre pensamento, os pilares do mundo Ocidental, que são os nossos, precisam ser apontados, resguardados e ensinados. Nenhum vereador ou fiscal da Lei está acima da Lei em uma democracia. Ninguém deveria estar acima da Lei. Embora a Constituição Federal Cidadã esteja em baixa depois do golpe parlamentar deflagrado em 2016, precisamos unir forças contra o autoritarismo e aumentar o terror que parece se instalar como um germe pernicioso e mortífero na sociedade.
Retomando a pergunta inicial: e se o Fernando Holiday bater na porta da sala de aula?
Se ele bater na porta da sala de aula para fiscalizar, como ele mesmo disse, o “conteúdo das aulas”, ponha-o para fora. Primeiro, convide-o a se retirar; se não tiver sucesso, em segundo lugar, chame autoridades competentes com base na lei que o ampara e que coíbe assédio ao servidor e ao trabalhador em geral; se ele não quiser afastar-se da porta em que insiste em bater, não abra mesmo assim!
Mas, se ele abrir: pare a aula – jamais mostre conteúdo! Você não deve satisfação para ninguém, exceto, pedagogicamente, para os seus colegas superiores. Se ele bater, bater, bater… lembre-se: quem tem autoridade em sala de aula é o professor: não permita, seja enérgico! É tempo de ter coragem! É tempo de resistir sendo pacífico, mas jamais sendo “pacifista”.



Historiador Leandro Seawright critica a atitude do membro do MBL de ir a escolas para fiscalizar uma suposta “doutrinação ideológica” durante as aulas
Por Leandro Seawright Alonso*
Brasília - O coordenador do Movimento Brasil Livre (MBL), Fernando Holiday, protocola no Senado pedido de impeachment do presidente do STF, Ricardo Lewandowisk (Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)
Há dias iniciei uma reflexão bastante preocupada com o papel do prefeito de São Paulo ao “visitar”, de surpresa, as diversas repartições públicas e os servidores públicos. Sabe-se que quem faz “visita” sem marcar ou é vigilante ou é inconveniente. Ele “visitou”, isto é, ele vigiou, inclusive, entre outros lugares, uma escola no Bairro da Moca e disse em tom de fiscalização: “ninguém sabe que a gente está aqui…”. Além de grosseiro com os opositores, o prefeito de São Paulo tem se mostrado pouco tolerante à pluralidade e ao livre pensamento. Mostra clara do exposto foi o que Doria disse ao jornalista e cientista político André Singer em resposta ao texto “Candidatura de Doria é uma aventura desesperada”. Com espírito democrático, debatem-se as ideias sem atacar as pessoas, mas Doria, depois de tentar desqualificar o “lugar de fala” de Singer, “mandou-o” – com ares de insinuação – para Curitiba.
Ao acessar ontem, porém, a página do deputado estadual Carlos Giannazi me deparei com a seguinte afirmação do parlamentar:Não permita que roubem as sementes da esperança plantadas em sala de aula! Lute! Faça isso por seus alunos, pelos oprimidos e pelos opressores. Paulo Freire, na Pedagogia do Oprimido, disse celebremente: “a pedagogia do oprimido é, pois, libertadora de ambos, do oprimido e do opressor”. Se, como disse Martin Luther King, nós temos “o dever moral de desobedecer a leis injustas”, digo: temos o dever moral de obedecer a leis justas: a liberdade de ensinar é constitucional e justa! Retire-se Fernando Holiday: na escola pública você só deve pisar como aluno depois de ser aprovado no vestibular!
Foto: Fábio Rodrigues Pozzebom / Agência Brasil
leando_Seawright_-Alonso-1-150x150
Leandro Seawright é historiador e professor universitário. Pós-doutorando e doutor em História Social pela FFLCH/USP. Foi pesquisador da Comissão Nacional da Verdade  (CNV). É autor de diversos artigos acadêmicos e livros, entre eles “Ritos da Oralidade: a tradição messiânica de protestantes no Regime Militar Brasileiro”.
Fonte: http://www.revistaforum.com.br/2017/04/04/e-se-o-fernando-holiday-bater-na-porta-da-sala-de-aula/

Nenhum comentário:

Postar um comentário