terça-feira, 12 de setembro de 2017

'MBL vai fechar exposições e decidir que livros podemos ler?', questiona curador de mostra LGBT

Exposição estava em cartaz no Santander Cultural

Exposição estava em cartaz no Santander Cultural Foto: Reprodução / Instagram
O curador da exposição "Queermuseu — Cartografias da diferença na arte brasileira", Gaudêncio Fidelis, se diz alarmado após o cancelamento da mostra, no último domingo. O Santander Cultural, em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, anunciou o cancelamento da exposição após protestos na instituição e nas redes sociais contra o conteúdo da exibição. Segundo Gaudêncio, foi criada uma narrativa falsa e ficcional sobre a mostra que não corresponde com a realidade.
— Não é uma exposição controversa. A mostra apenas foi "descoberta" pelo Movimento Brasil Livre (MBL), que decidiu fazer uma cruzada contra a exposição com base nos quesitos mais reacionários e moralistas. Em dois dias e meio de constantes ataques, a exibição foi fechada sumariamente, cunhada na decisão do que o MBL e outros grupos de extrema-direita e reacionários que se juntaram a ele decidiram o que pode e não pode ser visto — disse.
Uma das obras criticadas da exposição no RS
Uma das obras criticadas da exposição no RS Foto: Reprodução/Facebook
As pinturas da exposição mais compartilhadas nas redes mostram a imagem de um Jesus Cristo com vários braços, crianças com as inscrições "Criança viada travesti da lambada" e "Criança viada deusa das águas" estampadas, além do desenho de uma pessoa tendo relação sexual com um animal.
— Eles criaram uma narrativa oral e visual inventada do que é a exposição. É um precedente gravíssimo para o futuro. A pergunta que fica é: o MBL vai fechar outras exposições, decidir que livros a gente pode ler, que música nós vamos ouvir? Eles conseguiram isso com uma rapidez meteórica com críticas à exposição, vídeos editados, avançando para as plataformas do Santander a ponto de derrubar o perfil do Santander com milhares de comentários de pessoas que nunca viram a exposição. É uma censura grave — avaliou.
Uma das gravuras da
Uma das gravuras da "Queermuseu — Cartografias da diferença na arte brasileira" Foto: Reprodução
Aberta no dia 15 de agosto e prevista para acontecer até 8 de outubro, a "Queermuseu" contava com mais de 270 obras, oriundas de coleções públicas e privadas, que exploravam a diversidade de expressão de gênero.
De acordo com Gaudêncio, a mostra foi aprovada com mérito pelo Santander, que acompanhou todo o processo de montagem e estava ciente do conteúdo. Em nota, o centro cultural afirma ter entendido que as obras expostas "desrespeitavam símbolos, crenças e pessoas, o que não está em linha com a visão de mundo" da empresa.
— A nota do Santander é muito infeliz, em nenhum momento fui chamado para discutir o fechamento da exposição, nada. É muito infeliz como a nota decide e se junta a um coro feito pelo MBL do que deve e não deve ser visto. A exposição teve 26 dias aberta, foi aprovada com mérito pelo Santander dentro de uma política de diversidade que o banco está desenvolvendo para agências de todo mundo e que envolve, inclusive, a política de contratação.
Uma das peças expostas
Uma das peças expostas Foto: Reprodução
Ainda segundo Gaudêncio, a exposição não será realocada para outro espaço para continuar em cartaz devido à logística complexa para transporte das obras. Entre os autores expostos na "Queermuseu", estavam Adriana Varejão, Alfredo Volpi, Cândido Portinari, Clóvis Graciano e Ligia Clark. A mostra reunia pinturas, gravuras, fotografias, colagens, esculturas, cerâmicas e vídeos.
Após o cancelamento da exposição, o Santander enviou mensagem aos clientes explicando o motivo do encerramento. O texto se assemelha com a nota divulgada pelo banco nas redes sociais e pede desculpas "a todos aqueles que enxergaram o desrespeito a símbolos e crenças na exposição". A mensagem diz ainda que o Santander Cultural tem como missão "incentivar as artes e dar luz ao trabalho de curadores e artistas brasileiros, para gerar reflexão positiva e que se "esse objetivo não foi atingido, a empresa tem o dever de procurar novas e diferentes abordagens."
Veja abaixo a íntegra da mensagem enviada pelo Santander aos clientes:
"Reconhecemos que, além de despertar a polêmica saudável e o debate sobre grandes questões do mundo atual, infelizmente a mostra foi considerada ofensiva por algumas pessoas e grupos.Nós, do Santander, pedimos sinceras desculpas a todos aqueles que enxergaram o desrespeito a símbolos e crenças na exposição Queermuseu. Isso não faz parte de nossa visão de mundo, nem dos valores que pregamos. Por esse motivo, decidimos encerrar antecipadamente a mostra neste domingo, 10/09.O Santander Cultural tem como missão incentivar as artes e dar luz ao trabalho de curadores e artistas brasileiros, para gerar reflexão positiva. Se esse objetivo não foi atingido, temos o dever de procurar novas e diferentes abordagens. Seguimos, portanto, comprometidos com a promoção do debate sobre diversidade e inclusão, entre outros grandes temas contemporâneos."
Fonte: https://extra.globo.com

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